sábado, 24 de março de 2007

Os Imortais


A partir de agora, prentendo publicar regularmente textos sobre alguns filmes que marcaram a minha vida. Dou início a este périplo com um filme português. Ao contrário de muitas pessoas, sempre me afirmei um forte defensor da nossa cinematografia nacional. È hora de deitar por terra todos os preconceitos existentes em relação ao cinema português e orgulhar-nos das películas que são feitas em Portugal.

Todos os anos, quatro ex-comandos (Joaquim de Almeida, Rogério Samora, Rui Unas e Joaquim Nicolau) combinam juntar-se, na companhia de quatro mulheres (Emmanuelle Seigner, Paula Mora, Ana Padrão e Carla Salgueiro) para comemorar os feitos de guerra e solidificar o espírito de grupo. Naquele Verão de 1985, fartos da "pasmaceira do país", decidem assaltar um banco. Joaquim Malarranha (Nicolau Breyner), um inspector da Judiciária em vésperas de se reformar, vai cruzar-se no seu caminho e, por ironia do destino, acaba a tocar guitarra na casa de fados de um deles. Um filme de polícias e ladrões, de heróis desempregados ou à beira da reforma, de sobreviventes e inadaptados. Um filme sobre uma certa necessidade de solidão masculina que as mulheres nunca irão compreender.

É sabido de todos (se não então passam a saber) que António-Pedro Vasconcelos é "O" reconciliador por excelência do nosso público com o seu cinema. A fórmula que segue é tão simples que devia envergonhar muitos pseudo-realizadores-artistas da nossa praça: saber contar uma história. Assim. Tão simples como isto. Daquelas que têm um princípio, um meio e um fim. Das que não se perdem em dissertações obscuras, com mensagens induzidas a meia-dúzia de indivíduos iluminados que seguem não uma cinefilia, mas algo mais abstracto. Como uma "cosa nostra" a que o comum espectador não pode ter acesso.
Não quero com estas palavras denegrir o chamado "cinema de autor". Apenas recordar aos nossos fazedores da sétima arte que esta, às vezes, deve servir a todos (de preferência sempre).
António-Pedro Vasconcelos foi o realizador do segundo filme português mais visto de sempre nos nossos cinemas. Refiro-me a "O Lugar do Morto", de 1984. Mas também "Jaime" (1999) se encontra nesse top, numa honrosa quinta posição. Melhor que ele só mesmo Joaquim Leitão, que vai alternando alguns filmes de digestão fácil (o primeiro lugar do top, "Tentação") com desastres de realização, vãs tentativas de clonar o modelo americano (o horrível "Inferno").
"Os Imortais" é uma adaptação de um livro assinado por Carlos Vale Ferraz, "Os Lobos Não Usam Coleira". Adaptação muito livre, conforme referiu o realizador, habituado a escrever os seus próprios textos originais. A história centra-se num dia fatídico, no Verão de 1985, numa reunião anual de um grupo de ex-comandos da guerra colonial, homens desadaptados ao actual estado de coisas do país. "Uma pasmaceira", como eles dizem. Depois do 25 de Abril, estes "desempregados da guerra", treinados desde muito cedo para matar e ser violentos, são obrigados a recorrer a comportamentos desviantes para dar algum sentido à sua vida. É então que decidem assaltar um banco.
Os imortais do filme são os actores Joaquim de Almeida, Rogério Samora, Joaquim Nicolau e... Rui Unas.
Exactamente. O apresentador de televisão na sua primeira experiência de representação no cinema. Unas sai-se muito bem, embora num papel que foi feito à sua medida, o de Vitor Pratas. Divertido, desenrascado e conciliador, é talvez o mais esperto e sobrevivente dos imortais.
O eixo da história roda muito em redor dos personagens interpretados por Rogério Samora (Horácio Lobo) e Joaquim de Almeida (Roberto Alua), sendo a interpretação de Joaquim Nicolau (Sérgio Mano) algo apalhaçada e com demasiados tiques.
No meio destes inadaptados vai surgir um investigador da polícia judiciária à beira de se reformar. É o personagem de Nicolau Breyner, único conhecedor dos intentos do grupo de ex-comandos.
Ao elenco juntam-se outros grandes nomes da nossa praça, como Alexandra Lencastre no papel da esposa amargurada de Roberto Alua, Maria Rueff em mais uma investida no cinema ( aqu i como filha do investigador Malarranha, papel de Nicolau Breyner), assim como Ana Padrão ou Carla Salgueiro.
Mas há também uma personagem feminina muito importante na trama policial de "Os Imortais". Nas reuniões do grupo de ex-combatentes é normal que cada um seja responsável por levar uma mulher, "para entreter". É aqui que entra Madeleine, uma mulher francesa que seduz Alua e vai ser a razão de todos os problemas. Esta mulher é interpretada, nada mais nada menos, que por Emmanuelle Seigner, actriz fétiche e casada com o realizador Roman Polanski.
Sem que se possa dizer que estamos perante uma interpretação do outro mundo, Seigner aguenta-se muito bem num papel em que tem de dar o corpo ao manifesto (literalmente).
Em suma, "Os Imortais" é filme que conseguiu entrar no top de bilheteira dos filmes . Uma história bem contada, bem montada, e com uma fotografia acima da média (de Barry Ackroyd, habitué do realizador Ken Loach).

Título Original: Os Imortais
País de Origem/Ano: Portugal (2003)
Realização:António-Pedro Vasconcelos
Elenco: Joaquim de Almeida
Nicolau Breyner
Rogério Samora
Rui Unas
Emmanuelle Seigner
Alexandra Lencastre
Ana Padrão...

5 comentários:

Anónimo disse...

Óptima escolha! Excelente descoberta essa do Unas como actor, se bem que, como tu dizes, num papel feito a pensar nele. Mas sobretudo este filme tem as seguintes notas de destaque (em minha opinião): 1º) aborda um tema traumático para os portugueses e que nós, como sempre, teimamos em enterrar a cabeça na areia: a guerra colonial, e sobretudo o stress pós-traumático dos combatentes (penso que pela primeira vez na ficção fílmica nacional, se exceptuarmos aquele telefilme da SIC com o Vitor Norte, em que o gajo entrava em overacting constante armado em Major Kurtz da Buraca...), bem como aqueles combatentes que permaneceram ligados a África por questões pouco edificantes (isto representado pelo personagem de Rogério Samora, -um dos melhores actores nacionais quando faz de... Rogério Samora...-, e ninguém me tira da cabeça que o Tó-Pê desenhou aquela personagem como se fosse um 50-50 entre o Vasco Esteves e o Otelo). 2º) Um filme que é mesmo um filme, e não um exercício de estilo como o é muita da cinematografia portuguesa; uma história que como tu dizes é isso mesmo... uma história e não um emaranhado de considerações meto-metafísicas sobre tudo e nada. 3º) uma inexcedível recriação dos anos 80 nos décors, no guarda-roupa, nos adereços e nos mais pequenos pormenores. 4º) uma autêntica lição de actuação em cinema por um dos nossos maiores actores vivos, se bem que nem sempre muito feliz, o grande Nicolau Breyner.

Seria uma ideia categorizares os filmes tugas de que gostaste e aqueles dos quais não. Uma espécie de "o que devia ser" e "não vás por aí" do cinema português.

Anónimo disse...

Pena que não se possa ver (ou ter acesso a ele) cá por terras aztecas!
Abraço

Claudinha ੴ disse...

Não conheço, mas vou conferir a dica. Acho muito legal que traga até nós o conhecimento sobre o cinema de meus antepassados. Beijos!

Moinante disse...

Amigo Capitão-Mor :

Sim senhor , um óptimo tema , parabéns ...
Mas vou até aos primórdios da história da sétima arte em Portugal , recuar no tempo , e faço a sugestão " Anikibóbó " , alguém se lembra ...
Um épico de Manuel de Oliveira ...

Hoje passei aqui um bom pedaço de tempo , a leitura já está em dia ...

Continuação de um bom domingo .
Até breve .

Anónimo disse...

Parabéns por mais este magnífico trabalho, é sempre um prazer passar aqui.