quarta-feira, 23 de maio de 2007
9m 32s - Episódio 4
Augusto Luís, Ferreira e a enigmática Amélia saem do prédio. O aguaceiro não dava tréguas. Ficam parados na beirada do edifício para se abrigarem da chuva.
- Ferreira, para onde vamos com este temporal? - pergunta Augusto Luís, subindo as golas do blusão.
- Preciso de passar no Blue Velvet para ver como estão as coisas. Para além do mais, esse apartamento está-me a deixar paranóico. Quero espairecer um pouco...
- Está certo. Ès capaz de ter razão. Vamos lá, então...
- Esperem! Também vou com vocês...- interrompe Amélia - Precisamos falar sobre algumas coisas.
- Conversar connosco!? - interroga Augusto Luís espantado.
- Não acredito que o Blue Velvet seja um local muito apropriado para senhoras - dispara o Ferreira algo desconfiado.
- Porquê? Acha que nunca entrei num clube de strip-tease? Não seja machista! Tenho informações que serão do vosso interesse - diz Amélia em tom de desafio.
- Alto lá! Chega de mistérios por hoje! Diga logo quem você é! - grita o Ferreira.
- Calma! Não creio que seja prudente falar aqui no meio da rua sobre certos assuntos. Vamos? - diz Amélia com um sorriso apaziguador.
- Hum...você vai ter de nos explicar muito bem essa história. Tem a certeza que o ambiente da boite não a vai incomodar? - questiona Ferreira, já avançando para o carro.
- Não seja parvo! Já me vi obrigada a entrar em locais bem piores... - responde Amélia de forma misteriosa.
Um pouco mais tarde, Augusto Luís e Amélia estão sentados frente a frente, numa mesa de canto no Blue Velvet. Ferreira andava de um lado para o outro, dando intruções aos funcionários. Os últimos acontecimentos faziam-no prevêr que talvez tivesse de se ausentar por algum tempo e, por isso, queria deixar tudo organizado para que o funcionamento da casa não fosse alterado.
Augusto Luís e Amélia mantinham um diálogo bastante agradável. A química que se tinha estabelecido entre os dois era quase palpável. Ele não conseguia desviar o olhar daquele rosto que o tinha enfeitiçado. Estavam completamente imunes ao ambiente que os rodeava. As dançarinas no palco e a turba masculina era-lhes completamente indiferente. Este clima de intimidade, é interrompido pelo Ferreira que se senta ao lado do amigo. Coloca algumas pedras de gelo num copo e serve-se de mais um whisky. Acende um cigarro e olha para Amélia com uma expressão impenetrável.
- Acho que chegou a hora de nos contar o que sabe... - murmura Ferreira.
- Sei o que vos está a acontecer. Isto não era para ser assim, mas os acontecimentos das últimas horas, fizeram-me alterar todos os procedimentos.
- Continuo sem entender os seus objectivos. E acima de tudo, quero saber quem você é... - diz Ferreira, evidenciado alguma irritação.
- Se o meu nome verdadeiro é Amélia, pouco importa. Sou agente do SIS e sei que estão a ser ameaçados.
- Ah,ah,ah! - Ferreira solta uma gargalhada - Agente do SIS? Deixe-se de brincadeiras e explique logo o que quer de nós!
- Estou a falar a sério! Vocês estão a ser chantageados por um grupo que anda a ser investigado pelos nossos serviços. Através de outros canais de informação, soubémos que seriam os próximos alvos. Por sorte, o apartamento ao lado do seu ficou vago e, eu infiltrei-me no prédio hà cerca de um mês.. Precisávamos de seguir de perto, todos os seus passos.
- Quer dizer que ando a ser espiado? Era só o que me faltava! Na realidade, nem me apercebi que era a minha nova vizinha. Os meus horários nocturnos não me possibilitam grande convívio com a vizinhança... - profere Ferreira, numa atitude de defesa.
- Acredito. No entanto, era fácil de adivinhar que você seria o elemento do grupo a ser contactado. O facto de ser proprietário desta casa nocturna dá-lhe mais visibilidade - explica Amélia.
- Mas que raio de grupo é esse? - Augusto Luís decide intervir no diálogo - Não vejo qualquer tipo de conexão. Nem sei como tiveram acesso à filmagem da festa do meu último aniversário.
- Na famosa suíte 483 do Hotel da Lapa... - susurra Ferreira, dando mais um trago no cigarro.
- Isso também não sei. Porém, a posse desse tipo de documentos torna as pessoas vulneráveis a chantagens. De qualquer modo, posso-vos adiantar que se trata de uma espécie de seita religiosa, embora os seus rituais sejam de índole pagã. São liderados por uma personagem carismática. Chama-se Horácio Lobo. Viveu alguns anos no Brasil, onde se casou com uma tal de Débora que se tornou o seu braço direito. As actividades da seita tiveram início em Salvador em 1996. Ele regressa a Portugal em 2003 e dois anos mais tarde, surgem os primeiros indícios de actividades suspeitas em território nacional.
- Que merda! Mas como é que nós entrámos nesse filme? - continua Augusto Luís.
- Antes de mais, preciso de saber o conteúdo do envelope que receberam. Foi a própria Débora que executou a tarefa. Eu via-a entrar no prédio, logo depois do Ferreira ter saído para o futebol. Pelo que me dizem, já entendi que o pacote inclui uma filmagem de uma das vossas festinhas... - diz Amélia com malícia.
Augusto Luís passa a explicar em pormenor os dados que tinham em sua posse, enquanto o Ferreira observa a agente secreta pelo canto do olho. Quando ele termina de falar, Amélia dá um gole no seu cocktail e fica pensativa.
- O vosso relato é inédito. Até há poucos meses atrás, o SIS possuía uma fonte dentro da seita. Foi a partir dessa pessoa, que descobrimos que seriam as próxima vítimas. No entanto, esse elemento desapareceu sem deixar rasto. A chantagem, as ameaças e a extorsão sempre fizeram parte das actividades do grupo, mas até agora nunca tinham raptado ninguém. A chantagem incide sobretudo sobre mulheres. Nunca entendemos bem o objectivo...o que é certo é que muitas dessas pessoas, acabaram por aderir à seita, passado a participar nos rituais.
- Que estranho...a chantagem não terá o objectivo de angariar dinheiro para as actividades do grupo? - indaga Ferreira.
- Provavelmente sim. As investigações têm-se deparado com inúmeras dificuldades. Existem bastantes figurões envolvidos na seita. Empresários, diplomatas e até mesmo políticos da nossa praça.
- Estamos fodidos! O que podemos fazer? Pobre Reis! - desabafa Augusto Luís.
- Não entrem em desespero. Preciso que me deêm o material que receberam. Vou entregá-lo à equipa técnica do SIS. Mais tarde, quando a Débora telefonar, avisem-me de imediato e a partir daí traçamos um plano de acção.
- E quanto ao enigma? - pergunta o Ferreira.
- Parece-me bastante simples. A seita muda constantemente de local. Nunca ficam mais de dois meses no mesmo sítio. Preferem quintas e moradias isoladas, na periferia de Lisboa. Suponho que o vosso amigo esteja prisioneiro num local desse tipo.
- E em relação aos outros? Acha que devêmos avisá-los? - interompe Augusto Luís.
- Claro que sim. Aguardem o telefonema da brasileira e depois expliquem-lhes a situação por inteiro.
O trio permanece a conversar em surdina durante algum tempo. Por volta das quatro da manhã, regressam ao prédio, com o intuito de descansar um pouco. O dia seria bastante longo...
Lisboa, Quinta Feira - 01 Novembro 2007, 12:10h
Ferreira já estava acordano, mas permanecia deitado na cama, mergulhado em pensamentos obscuros. Tinha dormido bastante mal. Um sono bastante agitado por pesadelos com o seu amigo Reis. De repente, escuta o toque do telemóvel que tinha colocado ao lado do seu travesseiro. Número confidencial. Só podia ser o ansiado telefonema...
- Estou? - a sua voz não disfarçava o nervosismo.
- Oi, Dr.Ferreira! Dormiu bem, meu querido? - pergunta a brasileira com ironia.
- Não é da sua conta! Quero saber como está o Reis!
- Não se preocupe. Ele está muito bem e aguarda a vossa visita esta noite. E quanto à charada? Têm ideia de onde nós estamos?
- Subestimaram a nossa inteligência. Devem estar enfiados numa quinta, lá para onde o
Judas perdeu as botas! - Ferreira já estava irritado com os jogos da sua interlocutora.
- Bravo! Agora veja se adivinha esta...estamos entre a serra e o mar. Num local, que em tempos ancestrais, era chamado de Monte da Lua.
- Sintra!? - responde Ferreira de forma espontânea.
- Afinal, vocês não são tão estúpidos quanto aquele vídeo caseiro poderia sugerir. Esperamos o vosso grupo esta noite, ás onze horas, na Quinta das Gárgulas. A quinta fica na serra de Sintra. A senha para entrar na casa é OPUS BLOGUS. Nunca irão esquecer, o cerimonial que irão assistir...
Logo de seguida, Débora explica o caminho para a propriedade, enquanto Ferreira vai fazendo anotações num caderno. Ela despede-se de forma ameaçadora.
- E nem pensem em chamar a polícia! Não se esqueçam que o Reis está nas nossas mãos. Até logo!
Ferreira levanta-se bruscamente e avança para a sala, onde Augusto Luís roncava bem alto em cima do sofá. Levanta as persianas e afasta a manta que cobria o amigo.
- Toca a acordar! Hoje, temos excursão nocturna na serra de Sintra!
- O quê? Foda-se, o que estás para aí a dizer?
- Levanta-te rápido! A brasileira já me ligou. Telefona ao Fonseca e pede para ele vir para cá com o Lemos. Depois, trata de avisar a Amélia. Enquanto isso, vou tomar um banho...
- Mas o que foi que a gaja te disse?
- Quando estiverem aqui todos, eu conto. E que tal a bond-girl? Acho que ela gostou de ti - graceja o Ferreira.
- È boazona! Adorei! Estás com ciúmes?
- Népia! Nunca gostei de fulanas que gostem de espiar as minhas coisas. - diz o Ferreira rindo - E já agora, pede para os outros gajos trazerem umas pizzas e cerveja para o almoço.
Nessa tarde, o apartamento do Ferreira transforma-se num autêntico quartel general de uma operação ultra-secreta. O Fonseca e o Lemos ainda estavam atónitos com a situação em que estavam envolvidos e escutavam tudo com a máxima atenção. Amélia tinha chegado com mais dois colegas do SIS. Voltaram a vêr o filme e foram planeando a acção. Amélia deslocar-se-ia mais cedo para Sintra, com os outros dois operacionais. Ela iria entrar clandestinamente na quinta, enquanto os outros ficariam prestando suporte à operação no exterior, dentro de uma carrinha escondida na mata. Seria instalado um dispositivo de escuta, debaixo da roupa de Augusto Luís para que os agentes tivessem conhecimento dos acontecimentos dentro da casa. Se as coisas corressem menos bem, o pessoal do SIS daria sinal de alerta para as forças policias entrarem em acção.
Sintra, Quinta Feira - 01 Novembro 2007, 23:00h
O quarteto de amigos, optara por fazer a viagem até Sintra no carro de serviço do Lemos. Ele era um às do volante e poderiam ter de efectuar uma fuga rápida. O percurso de Lisboa a Sintra, tinha sido percorrido em alta velçocidade. O pequeno Renault Clio quase voava no IC19. Os ocupantes permaneciam em silêncio. Um nervoso miudinho revolvia-lhes o estômago. A chuva tinha parado a meio da manhã desse dia, mas quando chegam a Sintra, são envolvidos por uma densa neblina que fazia as casas adquirirem contornos fantasmagóricos. Cruzam a vila e embrenham-se pelos caminhos da serra. Ferreira vai dando as indicações e pouco depois, desembocam no portão da Quinta das Gárgulas. Na entrada, estão dois homens vestidos com roupas paramilitares e ladeados por temíveis cães de guarda. Um deles avança para o carro.
- Boa noite, senhores! A senha, por favor?
- OPUS BLOGUS! - respondem em uníssono.
O homem olha para eles desconfiado, mas faz sinal para que o outro abra passagem para o carro. Entram lentamente e deparam-se com um casarão antigo, de cor rosada. O átrio defronte da casa tem vários carros estacionados. Quase todos topos de gama e alguns jipes. Estacionam ao lado de um Volvo azul escuro.
- Porra! Deve ser só pessoal da alta! Olhem para o parque automóvel que aqui está! - exclama o Lemos.
- Podes crer! E agora chegaram os cordeirinhos para o jantar dos barões - diz o Fonseca amedrontado.
- Esta escuridão da serra, põe-me os nervos em franja! Espero que a Amélia saiba o que está a fazer... - divaga Augusto Luís.
Saem do carro e dirigem-se para a porta principal da casa. Dão de caras com um negro com quase dois metros de altura, envergando um smoking impecável.
- Sejam bem-vindos à Quinta das Gárgulas! Importam-se de repetir a senha?
- OPUS BLOGUS! - respondem eles, mais vez.
- Façam o favor de me acompanhar... - diz o negro de forma solene, avançando para o interior.
Eles seguem-no. Quando entram no casarão, observam a decoração luxuosa e escutam uma espécie de música sacra que os faz arrepiar. São encaminhados para uma pequena sala. O negro pede que retirem os casacos e estende-lhes umas longas capas de veludo roxo. Em seguida, dá a cada um deles, uma máscara de porcelana. As máscaras eram lindíssimas, com várias pedras semi-precisosas a ornamentá-las. Eles entreolham-se espantados, mas não ousam questionar o anfitrião. Vestem as capas, colocam as máscaras no rosto, seguem por um corredor iluminado por velas e vão ouvindo a música cada vez mais próxima. O corredor termina num enorme salão de estilo mourisco. Quando passam pela porta, são confrontados com uma cerimónia surreal que os deixa perplexos. No meio do salão, está uma espécie de sacerdote que veste uma capa vermelha e máscara dourada. Ao seu redor, forma-se um círculo de dez mulheres esculturais, praticamente nuas e com máscaras. Um pouco mais afastado deste círculo principal, estão várias pessoas com capas de veludo pretas e com as mesmas máscaras. Os rapazes olham em volta e tentam perceber o que se passa.
Neste preciso momento, Amélia encontra-se escondida nas cavalariças da quinta e apenas consegue ouvir aquela sonoridade sinistra , acompanhada da respiração ofegante de Augusto Luís, captada pelo sistema de escuta...
Neste MEGA-EPISÓDIO, fica evidente o meu fascínio pelo mundo da espionagem, assim como, pelos filmes de Stanley Kubrick. O Lois expressou que gostaria de acrescentar novos elementos ou concluir esta narrativa. Sendo assim, seja-lhe feita a vontade. No caso de existir continuação, ficam desde já proibidos de passar a bola novamente para mim! :)
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16 comentários:
Essa parte final faz lembrar mais a onda do "Eyes wide shut", com o Tomi das cruzes e a ex dele. Espionagem mas com picante à mistura... eheheheh
Bem
E eu que li isto sozinha no silêncio da casa entrei mesmo no ambiente fantasmagórico...lol...Parabéns capitão, o melhor episódio até ao momento :)
O melhor que escreveste até hoje!
Pá n consigo ler
sorry
falta de tempo aqui...tá enorme ppá e tinhas que meter a porra dos agentes secretos!
Seu 007
um bocadinho grande... mas onde é que eu já li algo semelhante (ou vi?).
Bom, já só falta um pouco de sobrenatural ou ficção científica para se tornar num ficheiro secreto
Estive um dias afastada porque estive adoentada e agora ao voltar deparei logo com o teu episódio. Está espectacular e só vem provar aquilo que eu já te disse. Claro que a solução que eu tinha engendrado para o enigma não era essa mas não deixa de ser muito engenhosa a tua solução. Adorei o teu episódio e agora vamos ver como é que o Lois se safa.
Beijos!
gostei do que li (pois, Kubrick presente, mas com palavrões ahahahh)
espero o fim
Tens jeitinho. Caprichaste neste episódio. Concordo com a freemind, a parte final faz lembrar bué o "Eyes wide shut"! Abraço
Melhor é impossível. Vamos ver como o Luis se vai safar desta. Mas pelo que li da outra vez ele vai driblar e passar a bola a alguém. Ai vai vai.
Bjs
PS obrigado pela tua visita. E quem me dera ser como tu pensas mas não tenho jeito nenhum para contar anedotas, mas adoro ouvi-las. E de uma boa conversa também.
Bem... eu parece que entrei dentro da história e que a vivi, espero que o Lois encontre mais uma solução para este policial moderno. Adorei podes continuar, parabéns
Captain:
Já li e já fiz a continuação...
Aguarda pela semana que vem pá!
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
excelente! aliás, cuidado com o Luis, do jeito que ele é, é capaz de se esbaldar tanto nessa cerimônia que talvez não volte mais à realidade!
Tu vê bem o tempo que me fizeste estar aqui :) a tua sorte é que gostei. A curiosidade foi maior e fiquei a ver o vídeo até ao fim. Sei lá, podia sair de lá a Amélia disfarçada (não sei é de quê porque roupita não havia )
beijos
narrativa fantástica, capitão! o filme, esse, adorei. aquela festa...tudo! um abraço e bom fim-de-semana!
Adorei! Muito bom mesmo!
Já tinha lido mas só agora tive oportunidade de comentar, mas não podia deixar de o fazer... espero pelo próximo episódio!
Isto já merecia uma compilação, não?
Bjs
Finalmente com tempo para ler tudo!
Eu acho que deveria ponderar a exploração da sua veia artística no que concerne à literatura! ;)
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