quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Escola da Vida

Muitas vezes dou por mim, a reflectir sobre estes três anos de residência no Brasil. Estes meus pensamentos, remetem-me sempre para um balanço acerca das vantagens e desvantagens que esta viragem na minha vida acarretou. Sabia de antemão, que era uma escolha desfasada no tempo. Ninguém, no seu perfeito juízo pode pensar que pode enriquecer no Brasil dos dias actuais. Aliás, trata-se de um erro na escolha de século e será mais fácil perder dinheiro do que ganhá-lo nesta terra. Porém, a aprendizagem humana torna-se extremamente enriquecedora. Frequentemente, fico espantado com as mudanças profundas que a minha personalidade sofreu e,com a atitude que adoptei perante a vida. Libertei-me de diversos vícios e futilidades que espartilhavam o meu quotidiano e passei a dar mais valor às pessoas que me rodeiam.

No entanto, alguns aspectos que me fizeram amadurecer, tornam-se cada vez mais penosos. Será extremamente complicado ser materialista e superficial, quando se lida diariamente com os horrores da miséria humana. Torna-se patético reclamar da vida, quando sou confrontado constantemente com situações bem mais complicadas. Mas isso, não impede a minha revolta perante a enorme desigualdade social que se vive por aqui. Não consigo ficar indiferente ao ver as crianças que quase todos os dias surgem no meu portão de casa, pedindo esmola e alimento, descalças e em trajes andrajosos. Não foram poucas as vezes, em que tive dificuldade em conter as lágrimas, ao ouvir alguns testemunhos de vida. Histórias de pais que não conseguem arranjar emprego nesta região, de crianças que adormecem de estômago vazio, de idosos que não têm dinheiro para os seus medicamentos ou até casas com famílias numerososas que ficam sem energia e água por falta de pagamento.
Nestes momentos, sinto vergonha de mim próprio e do egocentrismo que muitas vezes me caracteriza. Passei a desprezar a classe política e chego mesmo a duvidar da existência divina, perante cenários tão perturbadores.

Sinto que cresci e passei a dar mais valor a pormenores que ignorava por completo. Actualmente, retiro parazer e satisfação de coisas simples que o bulício das metrópoles europeias não permitem apreciar. Afinal de contas, a ânsia de poder e da posse tornam-se patéticas quando observadas à distância.
Apenas lamento que esta escola da vida não seja coisa suave. Uma dura confrontação diária por mundos sombrios e desconhecidos até então, que nos cravam espinhos na alma. Uma aprendizagem que nos desgasta...

15 comentários:

Cristina disse...

É preciso ter estômago, caro Capitão... eu não sei se aguentaria ver todos os dias crianças à minha porta a pedir; provavelmente abriria as portas a todas elas, por forma a aliviar um pouco o sofrimento... delas e o meu!

Um beijinho

Evelyne Furtado. disse...

Amadurecer dói, Capitão. Mas nos torna pessoas melhores. A desigualdade social ainda é terrível no Brasil e a evolução é lenta. Mas não se deixe abater, pq esse povo tem uma dose extra de alegria. E um dia vamos ter um país melhor.
Quanto a você, essa sensação ruim, passará. Pode ter certeza!
Beijos

Melissa disse...

Também levo os meus tapas diariamente... Vc onhece a realidade das cidades do interior nordestino?

Breaking disse...

Aqui há tempos fui fazer uma visita domiciliária e comentei posteriormente que tinha ficado chocada com algumas coisas. Mais tarde 1 chefia disse-me que lhe era estranho eu ficar chocada com realidades com as quais lido diariamente...
O que me choca mesmo, me dá nojo até, é que no século XXI ainda haja pessoas a viverem miseravelmente...
Choca-me, revolta-me e tenho muito pouca fé na classe política (e até na minha...)
Acredito que a realidade a que assistes diariamente seja profundamente diferente daquela que aqui vivemos. Mas acredita que há muito idoso profundamente maltratado e violentado, crianças que podem não pedir pão mas não são nada, etc. etc.
É patético como nos preocupamos com coisas fúteis. Faço o meu mea culpa...

(e poderia ficar aqui a escrever a screver... mas seria muito aborrecido...)

Comoveu-me o texto

Rubi disse...

Apesar de viver numa grande capital do mundo, onde o consumismo e a ostentação imperam, não penses que isso ofusca a sensibilidade para o sofrimento e privação alheia Capitão.É, aliás, um assunto no qual penso cada vez mais, não sei se tem a ver com a idade, dou por mim a pensar em formas de aliviar o sofrimento alheio, mesmo quando nem sou confrontada com situações de miséria. Vem de dentro Capitão. Bonito texto. Beijo xx

Sandra Neves disse...

Não conheço pessoalmente essa realidade descrita, mas não é estranha aos meus ouvidos. A mim choca-me que um país dessa dimensão, com tanta riqueza natural, com uma diversidade de recursos tão grande tenha uma classe politica tão inútil, tão egoista que não conseguem começar a resolver isso... em pleno séc. XXI.

O Réprobo disse...

Meu Caro Capitão-Mor, há que ter a coragem de não culpar Deus pelas incapacidades, quando não maldade, humanas.
Pensamento positivo: num País com o potencial do Brasil muito se pode fazer para melhorar e, pessoalmente, oferecerá mais oportunidades de esforço altruísta consequente do que a nossa terra.
Abraço

Maríita disse...

Acho que percebo o que queres dizer, ultimamente existe uma norma social que só aceita o que é esteticamente bonito e infelizmente, a realidade é bem diversa.

Resta-me dizer-te que penso que é muito melhor chorar e lastimar estas situações que colocar uma moeda de 50 cêntimos na mão de um pobre para aplacar a consciência, virar a carar e não fazer nada pelo outro.

Beijinhos

Mad disse...

Não sei que te diga. Mas acho que o que te fez crescer não foi vir para o Brasil, e sim o que te fez vir...

E como muito bem diz a Evelyne, amadurecer dói. Que se farta! Principalmente quando é à bruta e de repente, como no teu caso.

1 grande beijo.

PS - Noto que a quadra natalícia também te bateu com força...

TONY, Duque do Mucifal disse...

as vezes se tenho um problema material (IPOD que nao funciona ou PC avariado) fico logo lixado. Mas porque?
Sim porque?
Se nos faltar bem material,teremos sempre os amigos, a familia pra desfrutar. Em vez de nos enfiar defronte de um PC ou de uma televisao, ganhamos mais humidade em falar com quem nos está mais proximo.
Estamos há 1 mes do Natal e já se ve a fobia do consumo
O NATAL NAO É ISTO!

Ana disse...

Pelo que li aqui, enriqueceste e muito!

Bom fim-de-semana para ti!

Beijinhos

Ana Garcia disse...

Eu estive 6 meses no Brasil e sinto que mudei a minha maneira de ver a vida para sempre.

São Paulo, como deves saber, é dos melhores lugares pra se viver no Brasil, mesmo se estivermos no interiorzão.

O Nordeste é realmente lindo, mas vai muito para além dos locais turísticos para onde vai o cámone. Quando estive no Recife, de um lado do Hotel via praias paradisíacas e do outro, a miséria e putos a mendigar.

Em São PAulo tb. Quando fui ao Morumbi passei por crianças a mendigar no semáforo e temi um dia ter de confrontar os meus filhos com aquilo e ter de lhes exlicar "porque é que aquele menino é obre e está no meio da estrada".

Considero sim difícil enriquecer no Brasil de hj. Mas continuo a ponderar viver aí. Por amor? Sim, por amor. Mesmo com toda a desigualdade, corrupção, violência e pobreza. Porque acho que as pessoas aí vivem mais a vida. Aqui as pessoas preocupam-se demais com aquilo que não interessa e reclamam demais e fazem de menos.
Mesmo com o tal jeitinho brasileiro, considero o povo daí mais genuíno.

Anónimo disse...

Vou repetir o que a Mad e a Evelyne disseram

crescer doi que se farta, mas doer é bom sinal, porque nos faz crescer melhor. É apesar de tudo muito mais saudável.

"chego mesmo a duvidar da existência divina"

percebo-te.
porque é tão injusto nascer em certos sítios, em vez de se nascer em outros.


beijinhos

AnadoCastelo disse...

Como eu te compreendo como te sentes perante essas situações e também compreendo quando dizes que é tão patética a maneira como se vive na Europa.
Mas percebeste a diferença e cresceste interiormente e isso é muito bom.
Adorei o teu texto.
Bjs

Anónimo disse...

Gostei imenso do texto. E entendo-te perfeitamente. Apesar da realidade aqui em lisboa ser diferente, também é duro assistir aos problemas da pobreza, muitas vezes envergonhada. Fiz voluntariado com sem-abrigo e nao fazes ideia como me senti, por um lado é gratificante por saberes que estás a dar um pouco de conforto a um teu semelhante, por outro lado sentia-me completamente impotente e deprimida por nao poder fazer mais do que servir uma refeição quente. A vida é muito injusta mesmo...