quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Rio Grande do Norte nas telas



Nunca o sotaque potiguar esteve tão evidente num filme brasileiro quanto em “O Homem que Desafiou o Diabo”, adaptação para cinema do romance “As Pelejas de Ojuara”, do escritor Nei Leandro de Castro, que estreou esta semana em todo Brasil. Mesmo com conhecidos actores de cinema e televisão do sul/sudeste adaptando suas falas para timbres e cadências nordestinas, a produção dirigida por Moacyr Góes - que também é potiguar - exibe com destaque cenários, termos, caras e bocas do Estado, já que foi todo gravado entre a capital e o interior do RN, também com gente daqui no elenco. O filme mostra um senso de humor peculiar que o torna ainda mais engraçado para quem é da “área”.
O filme que narra a transformação de Zé Araújo, um caixeiro viajante "manicaca" — ou, homem dominado pela mulher, aos que ainda não conhecem o glossário potiguar — no destemido e sedutor caboclo Ojuara (Araújo ao contrário), passeia pela cultura local através de cenários e picardias diversas.

Ao longo de seis semanas a equipa de Góes esteve em território potiguar, filmando a saga do protagonista vivido pelo actor Marcos Palmeira. Durante a estadia, as filmagens passaram por Natal, São Gonçalo do Amarante, São José do Mipibu, Currais Novos, Caicó, Carnaúba dos Dantas e Jucurutu, todas servindo de cenário para os encontros amorosos e desventuras de Ojuara. Cerca de 200 figurantes participaram das filmagens.
O sertão potiguar é praticamente um dos personagens principais do filme, o lugar em que Ojuara empreende uma jornada mítica em busca de São Saruê - a terra de fartura que sempre buscou. Mas há muitas confusões no meio do caminho. A trama começa com a chegada do alegre caixeiro viajante Zé Araújo à cidadezinha de Jardim dos Caiacós. Lá, ele conhece Turco (Renato Consorte), dono de armazém e pai de Dualiba (Lívia Falcão), quarentona fogosa e virgem. Entusiasmado pela bela balzaquiana, Zé Araújo faz o que nenhum homem até então tinha ousado. Dualiba conta a “façanha” para o pai da moça, que procura Zé Araújo para uma proposta irrecusável: vai ter que casar.

Do dia para a noite, o inquieto Araújo passa-se a submeter ao sogro autoritário e às manhas da mulher. Anos depois, aparentemente conformado com o destino, o caixeiro descobre ser motivo de piada na cidade. De forma inesperada, ocorre uma transformação: o pacato cidadão revolta-se, destrói o armazém do sogro, dá uma surra na mulher e procura o tabelião para registrar um nascimento - o seu próprio - desta vez como Ojuara. Nasce assim um caboclo destemido, vestido com roupa de couro, pronto para desbravar o sertão em defesa dos desfavorecidos e buscar o seu destino.
Na sua longa jornada, Ojuara confrontará Cão Miúdo (Helder Vasconcelos), um dos muitos disfarces do “coisa ruim”, se apaixonará pela jovem prostituta Genifer (Fernanda Paes Leme), conhecerá exus e um Preto Velho (Antônio Pitanga), um corcunda ameaçador que também é poeta (Leon Góes), a devoradora de homens Mãe de Pantanha (Flávia Alessandra), e o violento Zé Tabacão (o músico pernambucano Otto). Vencerá também um desafio proposto pelo fazendeiro Coronel Ruzivelte (Sérgio Mamberti) que, como prémio, lhe impõe casamento com a filha Eleonor (Giselle Lima). E as confusões se seguem sertão adentro.
Para o realizador Moacyr Góes, Ojuara é um cavaleiro solitário na linha de uma tradição que remonta às culturas européia, árabe e africana misturadas, e que acaba por resumir a cultura brasileira. É um anti-herói brasileiro na linhagem de Macunaíma e Vadinho (de “Dona Flor”, de Jorge Amado) que pertence a todas as épocas. “Por ser genuinamente brasileiro, Ojuara torna-se universal”, afirmou. A trilha sonora tem contribuições de Gilberto Gil (quem interpeta o forró “Se tem mulher, tô lá”) Jorge Mautner e André Moraes.

6 comentários:

O Réprobo disse...

Meu Caro Capitão-Mor,
essa do Manicaca é um achado! Parece cruzamento de maniqueismo com... mas adiante: essa transfrmação indexada à reputação social de superfície, lembrou-me, ao contrário, a que o porteiro de Murnau viveu em «O Último dos Homens».
Abraço

Anónimo disse...

E o Paulo já fez das suas comparações...

pois a mim agrada-me a ideia da transformação.
gosto pouco de surras nas mulheres, mas gosto igualmente pouco, de mulheres a mandarem em maridos.


beijo, captain my captain

Belinha Fernandes disse...

Já estou a ver o filme...Linda foto lá no topo!:-)

Melissa disse...

Capitão, que bom que resolveste voltar ao mundo dos blogs! Gosto muito de cinema brasileiro, valeu pela sua indicação. Um bom fim de semana!

AnadoCastelo disse...

Engraçado que estive no Praia Shopping a olhar para os cartazes e a pensar se devia ver ou não filme. Pena não o ter visto, paciência fica para a próxima.
Bjs

Evelyne Furtado. disse...

Adorei o filme e o livro As Pelejas do Ojuara? Hilário, capitão!
Bjs